11/09/2011

Velhos Contos do Feirante (Abscoriado pelo Destino) ..


Para mim, a sorte não existe. 

Quem pode acreditar em tal coisa vendo a cada dia a vida ser a mesma. Não tenho nada diferente das milhares de outras que me acompanham. Só me resta apodrecer enquanto espero a sorte que não existe. Para não ser tão pessimista, posso acabar como a maioria apática, que "passa" o resto da existência seca e murcha, acomodadas a um destino mediocre porém longo e estável. Quem desgraçou meu miolos ao me fazer sonhar? Preferia não sonhar sonhos belos onde deixaria para meus criadores sementes férteis que germinarão em grandes e belos exemplos de seleção genética. Preferia não diferenciar a lata de lixo a uma panela, assim aceitaria qualquer que fosse meu destino. Às vezes olham para mim atentamente, como se algo diferente existisse no meu brilho, na minha cor, mas logo vejo o frio e métrico olhar a que todos são submetidos e se submetem e sei que será um dia a menos em minha breve vida. E passam os dias, escureço o sorriso, perco o brilho, e assim como eu, todas as que por azar me acompanham. E finalmente, após a longa espera, sinto o calor humano, a mão amiga que sempre esperei, penso como alguém escolheria a mim, tão negra e opaca, já murcha e azeda, marcas do tempo que não me abandona. A sorte talvez exista. Mas rapidamente recobro a razão, sinto o calor esvair, a mão se distanciar e vejo o retrato de minha vida, estampado em meus últimos momentos. Me encontro no fundo negro da lata de lixo, ao lado de milhares, qual dejetos, rejeitadas. Restos de uma feira de domingo. Sonho com uma bela mesa, ser desejada a primeira vista, causando revoluções gustativas entre suaves mordidas de uma bela senhorita, e após cumprir meu dever, ter minhas sementes transmitidas e ser eternamente propagada pela terra. Mas tenho meu sonho interrompido, por uma enorme melancia, jogada por meu algoz, selando meu destino. Aqui jaz uma uva... uma uva sem nada especial.


O Feirante

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