11/04/2010

Às crônicas de verdade

Ele finalmente terminara a crônica após dias sem inspiração, problema que podia agradecer à sua filha e sua gravidez repentina e precoce, dezessete anos e muitas dores de cabeça pro paizão. O texto era sobre um tema recorrente e bem mundano, uma ida ao supermercado com os filhos, e por isso requeria uma veia irônica profunda para ficar bom, e ironia no momento, era sua vida. O texto ficou bom, título melhor ainda, dava até para rir internamente enquanto se assegurava que tudo estava nos conformes. Porém, uma idéia ressurgiu em sua mente, e emergia mais constante ultimamente, algo que deveria se assemelhar a frequência de pensamentos sombrios de um assassino. Enquanto mirava na parede as últimas páginas enviadas pela editora para que ele aprovasse a impressão, viu o seu grande temor se manifestar, as cinco primeiras palavras com letras garrafais. Não se lembrava quando, nem como tinha surgido isso, mas essa tática, que parecia inocente, algo como uma marca registrada ou brincadeira, aos poucos foi causando desconforto pela aparente importância dada pelo público. Cinco palavras que nada diziam sobre o todo, mas que todos diziam ter algo de muito. Frustrante. E ao relê-las no texto, viu que estas, especialmente, não diziam nada MESMO, nem sobre supermercado, como podia? Quem dentre esses tolos que consideravam as cinco palavras mágicas entenderia a graça do texto? Eram tolos, mas também compravam seus livros, isso teria de ser considerado. Resolveu apagá-las. Mas rapidamente viu que se as apagasse, estaria agindo de forma errada com seu querido público, teria de educá-los com palmatória, não ceder-lhes aos pensamentos equivocados. Estaria estimulando a leitura resumida, presumida e presunçosa, o misticismo de cinco palavras mágicas, coisa de bruxo e duende. Inaceitável para seus padrões de intelectualidade racional, que tanto demorara para adquirir. Resolveu dar um tempo. Foi tomar um café olhando para a rua. Dia chuvoso, agradável, duas jovens passavam conversando algo sobre um show que iria acontecer, muito eufóricas. Pensou nelas e como as cinco palavras poderiam destruir suas vidas se as condicionasse ao misticismo presumitório de seus textos, e se elas extrapolassem tal mau comportamento para o mundo? Um absurdo! Preconceitos, guerras, má gestão admnistrativa dos bens públicos, o fim da civilização! E resolveu, pelo bem da humanidade, deixá-las intactas, nada de dicas ou pistas, assim daria àquelas duas garotas a chance de conhecer o mundo de verdade, sem resumos ou preceitos quiméricos. Um mundo vero, e um pensamento, veríssimo.

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